Pior do que a falência do sistema bancário, só mesmo a falência do Estado. E esta, ao contrário do que li num artigo de opinião recente, acontece e tem mesmo acontecido com demasiada frequência.
Não passou por isso pela cabeça de ninguém de juízo a ideia de deixar que o mercado resolvesse livremente os problemas gerados pela actual crise financeira. A decisão informal europeia de montar um sistema de apoio à banca para evitar a sua bancarrota generalizada – como a que se deu na Islândia – parece-me por isso do mais elementar bom-senso.
Posto isto, ninguém decidiu na União Europeia – nem ninguém tinha competência para o fazer – as modalidades dessa intervenção, sendo, portanto, os parlamentos nacionais as instituições responsáveis pela sua aprovação.
Em Portugal, o Parlamento aprovou numa manhã, e o Presidente da República – como fez questão de salientar – não precisou de mais de meia hora para promulgar, uma lei que autoriza a intervenção do Estado até 20.000 milhões de Euros, sem questionar nada do que é essencial saber sobre a sua forma de aplicação, para não falar das razões que tornaram essa verba necessária ou das medidas a tomar para que situações semelhantes não se verifiquem no futuro.
No mínimo, era essencial estipular formalmente o princípio da garantia dos depósitos – independentemente do que a Comissão Europeia resolvesse dizer sobre isso – e as contrapartidas exigidas para as garantias públicas, nomeadamente o seu valor perante outras responsabilidades da banca. Era necessário nomear uma comissão de inquérito, ou mandatar as representações nacionais para exigir esse inquérito nos planos europeu e internacional, com o objectivo de averiguar as razões da catástrofe e de pensar as reformas a empreender para que elas sejam evitadas no futuro.
Saber se o contribuinte irá finalmente pagar 20.000 milhões de Euros ou se a conta ficará por muito menos é, neste momento, um exercício puramente especulativo. Numa economia de mercado, a única forma de responder a questões destas é a de perguntar ao mercado quanto dinheiro estaria alguém disponível – com a mesma credibilidade do Estado – a dar para fornecer igual garantia. Caso aparecesse alguém, duvido que a soma pedida fosse muito inferior aos 20.000 milhões de Euros.
Passemos agora ao rendimento de famílias pobres, cujas razões para serem pobres são diversas, mas tenderão agora a ser cada vez mais a de terem sido demasiado optimistas no rendimento esperado perante o juro exigido.
Dizer que o funcionamento da sociedade é independente da sua sorte e que a ajuda deve ser um acto de puro altruísmo é ignorar toda a história da humanidade. Considerar essa verba apenas como despesa e não como investimento é não entender que a riqueza de uma sociedade depende da riqueza dos seus membros, e que alguém com instrução e condições de vida tenderá a ser mais produtivo e a trazer menos problemas à sociedade do que alguém na miséria.
Que é necessário impor condições, controlar e supervisionar o dinheiro que assim se gasta? Que há muito dinheiro que tem sido mal gasto nesta matéria? Que é essencial valorizar o trabalho e nunca permitir que o fruto deste mal se distinga da ajuda pública? Com certeza!
A única questão a ter em conta é não pôr em causa a dignidade que é essencial para todos, não perder de vista a humanidade e, acima de tudo, manter o sentido da proporcionalidade e do bom-senso.
Exigir para cada cêntimo cedido a um pobre o controlo que não se exige a cada bilião que se promete à banca, não revela nenhuma das qualidades essenciais ao exercício de cargos públicos e parece-me mesmo revelar um inaceitável desprezo por quem tem a má sorte de necessitar apenas de cêntimos em vez de biliões.